Carta aberta ao Presidente do CREA-RJ e a Comissão Editorial da Revista do CREA-RJ


Carta aberta ao Presidente do CREA-RJ e a Comissão Editorial da Revista do CREA-RJ em resposta ao editorial da edição 87 da Revista do CREA-RJ "Energia nuclear divide opiniões".


Caro Presidente do CREA-RJ e Comissão Editorial da Revista do CREA-RJ


Foi com muita surpresa que abri a edição 87 da Revista do CREA-RJ e li o editorial do Presidente do CREA-RJ, Agostinho Guerreiro, onde ele defende o uso de reatores nucleares para a geração de energia elétrica evidenciado pelo seu apoio a conclusão da Usina Nuclear Angra 3. Para mostrar que a tecnologia nuclear traz benefícios para sociedade ele diz que o Programa Nuclear Brasileiro também prevê a construção de um reator de pesquisas para a fabricação de radiofármacos. Mas não é dito que esses reatores são muito menores e mais seguros que os de geração de energia elétrica.

Em relação à Angra 3 ele aponta que “não há sentido em paralisar as obras” desde que as “condicionalidades e as medidas de segurança” exigidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) sejam “minuciosamente cumpridas na execução do projeto”. O que surpreende nesse argumento é que ele está assumindo se as exigências da CNEN forem “minuciosamente cumpridas” não existirá risco de acidentes como o de Fukushima, o que evidentemente não é verdade. O problema é justamente a imprevisibilidade dos acidentes, por isso são chamados de acidentes. Podemos pensar em mil tipos de situações e criar formas de evitá-las, mas e quanto à milésima primeira, que ninguém pensou, ocorrer?

E foi justamente o que aconteceu no Japão. Ninguém imaginou que dois desastres naturais poderiam ocorrer ao mesmo tempo. Primeiro o terremoto que danificou a rede de distribuição de energia elétrica cortando a eletricidade da usina que passou a funcionar com geradores. O segundo foi o tsunami, conseqüência do terremoto, que resultou numa onda maior que os muros de proteção e inundou as salas dos geradores deixando a usina sem qualquer fonte de energia elétrica. Um reator nuclear não pode ficar sem energia elétrica porque se a água responsável por resfriar o reator parar de circular ocorre o derretimento do reator. Mesmo se os reatores de Fukushima fossem como os brasileiros (PWR) onde a água continua circulando por algumas horas depois do corte da energia elétrica o derretimento ainda ocorreria por que levou dias, e não horas, para a energia elétrica ser restaurada. Mesmo agora as autoridades japonesas calculam que a situação só será completamente controlada em 2012. Isso tudo sem falar no uso da energia nuclear para fins bélicos com a construção do submarino nuclear brasileiro para a marinha que claramente viola o acordo firmado entre Brasil e Argentina onde as partes se comprometeram a utilizar a energia nuclear apenas para fins pacíficos.

Não seria mais sensato que o CREA-RJ apoiasse, no mínimo, uma revisão de todo o Programa Nuclear Brasileiro, principalmente a parte bélica e a referente a geração de energia elétrica em vista das conseqüências desastrosas para a população e o meio-ambiente que estão sendo observadas no Japão[1][2][3] e que foram e continuam sendo observadas em Chernobil e amplamente documentadas no estudo “Chernobyl: Consequences of the Catastrophe for People and the Environment” de Alexey V. Yablokov, Vassily B. Nesterenko e Alexey V. Nesterenko, publicado pela Academia de Ciências de Nova York (Annals of the New York Academy of Sciences Volume 1181) que pode ser baixado na internet[4]. Os autores calculam quase um milhão de mortes relacionadas com o acidente e mostram que partes de vários países da Europa, como a Inglaterra, continuam contaminadas depois de mais de 25 anos.

Mais uma vez o Brasil vai enveredar pela contramão da história já que vemos vários países no mundo abandonando a energia nuclear como a Alemanha que vai desativar suas usinas nucleares até 2022. A Bélgica cancelou a construção de dois reatores, a China vai paralisar a construção de novas usinas até que seja feita uma avaliação criteriosa do acidente no Japão, os EUA suspendeu a construção de centrais no Texas, o Japão abandonou planos de construir 14 novas usinas e a Suíça abandonou a construção de novas usinas e desativará as existentes. Enquanto isso o Brasil “reavaliará” (para não dizer que nada vai mudar) o plano de construir quatro novas usinas. Não seria melhor acabar com essa forma irresponsável de geração de energia evidenciado pelo fato que um acidente além de causar um desastre de imensas proporções resulta em conseqüências para a vida no planeta que podem durar muitos anos.

O Brasil tem em sua matriz energética apenas 3% sendo produzido pelas usinas nucleares, não seria o momento de investir em fontes alternativas (solar e eólica) para podermos no futuro desativar essas usinas que também geram lixo radioativo e precisa ser armazenado por centenas de anos.

Na opinião desse humilde engenheiro e admirador da ciência me junto às muitas vozes que acham que um reator nuclear é a maneira mais complicada, perigosa e cara imaginada pelo homem para ferver água.

                                          
Sinceramente


Eng. Francisco Roland Di Biase
e-mail: fdibiase@ig.com.br


Notas:
[1] The Fukushima Nuclear Disaster in Perspective da Dr. Helen Caldicott

[2] The Severity of the Fukushima Daiichi Nuclear Disaster: Comparing Chernobyl and Fukushima dos Professores Matthew Penney e Mark Selden

[3] Nuclear Apocalypse in Japan - Lifting the Veil of Nuclear Catastrophe and cover-up de Keith Harmon Snow

[4] Chernobyl: Consequences of the Catastrophe for People and the Environment” de Alexey V. Yablokov, Vassily B. Nesterenko e Alexey V. Nesterenko

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